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Entrevista

CEO da Geo Energética detalha projetos de biogás com sucroenergéticas

28/07/2021

Alessandro Gardemann fala sobre empreendimentos em parceria com Coopcana, Raízen e Cocal, além de explorar a viabilidade

por Gabrielle Rumor Koster – NovaCana 

O biogás vem ganhando cada vez mais espaço no Brasil e, além de poder ser extraído dos substratos resultantes da indústria, dos resíduos sólidos urbanos (RSU) e do esgoto, também pode ser obtido por meio de resíduos da agropecuária. Segundo a nota técnica Panorama do Biogás no Brasil 2020, produzida pela Cibiogás e publicada em março deste ano, das 638 plantas de biogás em operação no país, 503 ou 79% delas produzem o gás sustentável por meio de resíduos agropecuários. Entretanto, em volume de biogás, elas correspondem a apenas 11% do total anual, sendo RSU e esgotos as fontes responsáveis por 73%; os 16% restantes vêm da indústria. Somadas, todas as matérias-primas geraram, em 2020, cerca de 1,83 bilhão de normal metro cúbico do produto. Uma das fontes com potencial de exploração e que pode destravar o crescimento produtivo do biogás são as biomassas e subprodutos da cana-de-açúcar: a vinhaça, a torta de filtro, o bagaço e a palha são os protagonistas desta história, ganhando usos para além da adubação e fertirrigação dos solos dos canaviais. Com eles, é viável fazer a biodigestão para extrair o biogás a ser convertido em biometano – vendido ou usado na frota da própria usina – ou a energia elétrica a ser usada, negociada e exportada para a rede de distribuição. A Geo Energética é uma das empresas brasileiras que trabalha com soluções para a implementação de unidades de biogás, por meio de um processo biotecnológico, e atua especialmente no setor sucroenergético.

A primeira unidade da empresa começou a operar em 2012 e fica junto da usina da Cooperativa Agrícola Regional de Produtores de Cana (Coopcana) em São Carlos do Ivaí (PR). Ela acaba de ter sua capacidade instalada ampliada de 4 para 10 megawatts de potência. Outro empreendimento é uma planta piloto de produção de 1,5 mil Nm3 por dia de biometano que está passando por processo de ampliação para 12 mil Nm3 diários.

Além disso, a Geo Energética também possui uma joint venture com a Raízen, a Raízen Geo Biogás. A parceria rendeu uma planta geradora de energia a biogás anexa à usina Bonfim, em Guariba (SP), que moe até 5 milhões de toneladas de cana por ano. A unidade, considerada uma das maiores do mundo, tem 21 megawatts de capacidade instalada e funciona tanto com torta de filtro quanto com vinhaça. De acordo com o divulgado pela gigante sucroenergética, foram investidos R$ 153 milhões na planta.

A Geo também tem um projeto para produção de biometano em andamento com a Cocal, junto da unidade do grupo localizada em Narandiba (SP). Neste caso, um investimento de R$ 139 milhões será direcionado para uma unidade capaz de produzir 33,5 milhões de Nm3 de biogás anualmente, tanto com vinhaça quanto com torta de filtro. Além disso, há potencial para expandir a produção com a biodigestão da palha, conforme expresso pela empresa.

A planta terá uma potência de 10 MW equivalentes, sendo 5 MW de geração de energia elétrica, possibilitando a exportação de até 33,3 mil MWh de energia ao ano. Em relação ao biometano, a capacidade diária será de 24 mil Nm3, podendo chegar a quase 8,9 milhões Nm3 anualmente. Uma parcela será injetada na rede da GasBrasiliano, outra vai substituir o diesel na frota da usina e o restante será distribuído com gás comprimido. De acordo com a Geo Energética, o projeto é o primeiro do mundo com um gasoduto de distribuição exclusivo de gás natural verde.

Para a produção, serão utilizados anualmente 1,5 milhões de metros cúbicos de vinhaça, 135 mil toneladas de torta de filtro e 10 mil toneladas de palha. A unidade deve começar a operar já no próximo mês, beneficiando as cidades paulistas Narandiba, Presidente Prudente e Pirapozinho. Ainda segundo a Geo Energética, a empresa vai implementar outros três projetos em 2022. O CEO da companhia, Alessandro Gardemann, concedeu uma entrevista exclusiva ao NovaCana detalhando os atuais empreendimentos e trazendo a visão da companhia em relação ao potencial das sucroenergéticas na geração de biogás, alternativas viáveis e a evolução do hidrogênio verde.

Quais são os requisitos que uma usina sucroenergética precisa ter para iniciar a implementação de uma planta de biogás em seu parque industrial?
O biogás é bonito, pois é viável em qualquer escala. Não tem tamanho mínimo para viabilidade de projetos de biogás. O mais importante é escolher a tecnologia e o modelo de negócio corretos. Tem que ter vontade de fazer. Os resíduos são múltiplos – vinhaça, torta de filtro, palha –, tudo isso pode gerar biogás, tem muita oportunidade. 

Como as sucroenergéticas podem se tornar mais eficientes para a produção de biogás?
O biogás tem diversas opções, podendo gerar energia elétrica e biometano, que é o gás natural equivalente. Ele pode substituir o diesel na usina, ser vendido no mercado, injetado no gasoduto, transportado com caminhões: tem muito para ser feito nesse sentido. Então, é necessário usar as tecnologias corretas, fazer isso com investimento eficiente e valorizar ao máximo o gás. Uma molécula de metano, ou seja, gás natural renovável, vale muito hoje. A empresa precisa fazer algo que agregue valor. As usinas têm a oportunidade de fazer produtos nobres e têm que ter certeza de que estão maximizando isso de acordo. Eu fico um pouco incomodado quando as pessoas pegam o biogás, que pode substituir o diesel, e querem queimar isso na caldeira. É uma solução de baixa eficiência e que desestimula projetos. É preciso ser um fornecedor confiável de qualidade e de quantidade de biogás. Esse é o grande segredo. 

É mais vantajoso para a usina converter o biogás para biometano ou para energia elétrica exportada na rede?
Eu, particularmente, gosto muito da solução que faz os dois, a hibridização, que gera gás e energia elétrica na mesma planta. Vejo que este é o futuro do negócio. Um pouco como o próprio setor [sucroenergético], que faz açúcar e etanol, aqui temos o gás e a energia. São dois produtos e a capacidade de vender os dois e escolher o melhor preço, fazer essa arbitragem, é essencial e importante.

Pensando no biometano, quando a conversão da frota para utilização do biocombustível vale a pena para a usina?
Eu entendo que não pode haver uma obrigatoriedade de conversão. É uma oportunidade de descarbonizar, reduzir emissões, ter previsibilidade de preços. Diferentemente do diesel, que sobe e desce toda hora, o biometano tem um preço que pode ser estável no longo prazo com a tecnologia disponível hoje. Só que tem toda uma logística a ser desenvolvida, uma cadeia de fornecedores. A migração da frota precisa ir de acordo com as soluções logísticas que forem surgindo.

Além da energia elétrica e do biometano, é possível obter o etanol de segunda geração dos resíduos advindos da cana-de-açúcar. É uma possibilidade lucrativa, vale a pena investir?
Não sou especialista. Temos uma sociedade com a Raízen só na área de biogás, mas entendo que a molécula descarbonizada vai ter prêmios. E o sucesso do E2G, principalmente da Raízen, está se mostrando. Eles conseguiram vender isso na Europa, em contratos de longo prazo, com prêmios interessantes e que remuneram bem. É muito mais opção. A beleza do setor da cana-de-açúcar é que quanto mais opções você der para a cana, melhor é. Tem energia elétrica, etanol de primeira geração, açúcar, E2G, biogás. Quanto mais opções, mais eficiente pode ser essa planta, mais opções têm de monetizar, melhor é a pegada de carbono e, com isso, o conjunto da obra vai ficar mais competitivo.

Construir esses “bioparques” eleva a produtividade agrícola e a integração. E sobre o hidrogênio verde, que é um produto mais caro de ser obtido. Como é possível reduzir os custos e torná-lo vantajoso?
O hidrogênio verde é um futuro cada vez mais próximo. Todo muito acreditava nele para daqui 30 anos e, agora, é para dez ou oito anos. É uma realidade. A Europa, especialmente, está investindo muito, quer aplicar 50 bilhões de euros nos próximos anos em hidrogênio verde. Nos Estados Unidos, a mesma coisa. E a China também está investindo. Vai se criar um mercado mundial de hidrogênio verde. Mas principalmente a Europa, que tem a tendência de ir só por uma rota de produção de hidrogênio verde, por eletrólise de água. Por lá, em alguns momentos do dia, eles têm excesso de energia elétrica e esse é um jeito de armazenar isso e transformar em outros produtos.

O hidrogênio verde deve chegar aqui também?
No Brasil, nós temos essa beleza. Na verdade, o etanol, o biogás e o biometano nada mais são do que fontes de hidrogênio, cachos de hidrogênio renováveis. É possível usar isso em uma célula combustível para rodar um carro elétrico a hidrogênio, que é uma solução de etanol e biogás. Além disso, 95% do hidrogênio fóssil produzido no mundo é feito a partir de uma tecnologia chamada reforma de metano, que é cozinhar o metano sob alta pressão e que nada mais é que o gás presente no biogás. É possível integrar isso e fazer uma nova rota brasileira integrando a tecnologia usada no gás natural fóssil com o gás natural renovável, inclusive usando as plantas atuais que produzem hidrogênio e que têm várias no Brasil.

No Plano Safra 2021/22 foram destinados R$ 5 bilhões para a linha de crédito do Programa ABC (agricultura de baixo carbono), com limite de crédito coletivo de até R$ 20 milhões para geração de energia elétrica a partir do biogás e do biometano. Como as usinas podem se beneficiar deste recurso?
É mais uma fonte de financiamento a um juro interessante, o que incentiva a descarbonização e que, especialmente para o biogás, foi ampliado. Lutamos muito para essa ampliação, pois é possível fazer projetos mais eficientes. O biogás no Brasil tem uma escala única e que não é natural fora do país, especialmente por conta da cana-de-açúcar. Então, as nossas plantas têm que ser maiores, mais eficientes. Por isso, essa ampliação do limite do ABC é tão importante.

Você já comentou sobre a joint venture da Geo Energética com a Raízen, a Raízen Geo Biogás. Como se deu essa parceria e quais frutos ela tem dado?
Em 2016, nós ganhamos juntos o leilão de venda da energia elétrica nova com a unidade Bonfim, localizada em Guariba (SP). Essa planta foi inaugurada no ano passado e nós temos essa joint venture desde 2018. Tem sido um grande sucesso, inauguramos e estamos operando. Estamos trabalhando junto com a Raízen há seis anos e contribuímos bastante tanto com a tecnologia quanto com o modelo de negócio. A Raízen tem bastante interesse em ampliar a joint venture, tem escopo para transformar isso em uma realidade. Entendemos que há muita demanda para compra de biogás. Uma parte dos recursos do IPO irá para investimento em biogás [nota da edição: segundo o prospecto disponibilizado pela Raízen à CVM, há a possibilidade da companhia chegar a 39 plantas até 2030/31]. A Raízen com certeza definiu isso como um futuro a ser explorado e tem mais projetos para serem desenvolvidos.

Como está o andamento do projeto com a Cocal para produção de biometano e a posterior distribuição do biocombustível? Qual foi a participação da Geo Energética nesses processos?
Estamos superanimados. A planta já está em período de startup e começa a operar em agosto. Diferentemente da Raízen, que produz só energia elétrica, este é um projeto de biometano e energia elétrica, é um modelo híbrido. A planta está quase pronta, está linda. É um grande projeto de referência para o Brasil. E o conceito de um gasoduto em um sistema isolado é maravilhoso, levando gás para uma região que não teria, ainda mais gás verde, além de poder ser replicado inúmeras vezes no Brasil. Isso mostra que grupos familiares e diversos perfis de usinas têm condições, vontade e possibilidade de investir nisso. Cria-se uma estrutura descentralizada, de dutos próximos aos consumidores, e lá na frente, quando se tem o consumo, é possível integrar a malha toda. Veja que interessante: que tipo de indústria pode ter interesse em se localizar na região de Presidente Prudente (SP) e está interessada em ter uma oferta de gás verde? Abre todo um mundo de novas possibilidades. O potencial de produção da planta é de 24 mil Nm3 por dia de biometano (quase 8,9 milhões de Nm3/ano).

Qual é o volume de resíduos necessário para chegar em tal produção?
Esta é uma usina de mais ou menos 2,5 milhões de toneladas [de moagem de cana por ano]. Lá, já tem mais uma geração de energia elétrica de 35 GWh por ano. Vamos processar 130 mil toneladas de torta de filtro e 1,5 milhão de metros cúbicos de vinhaça. Só para esse gás, teremos 9 milhões de Nm3 [de biometano], o que corresponde a, aproximadamente, 22 mil litros de diesel por dia ou 8 milhões de litros por ano. 

Existe um projeto em parceria entre GasBrasiliano e Zeg Biogás que irá possibilitar a conexão de dutos com até 140 sucroenergéticas fornecendo, em um dia, 1 milhão de Nm3 à rede. Como a empresa enxerga projetos como esses?
Isso é um desdobramento do projeto que começamos na região de Presidente Prudente, com a própria Cocal. Em São Paulo, temos cerca de 150 unidades sucroenergéticas e é possível fazer um duto ao lado de cada uma delas. Tem muito potencial e temos que explorar. Para precificarmos ou vendermos o gás no preço que achamos que deve ser vendido, temos que garantir um gás firme, 365 dias por ano, que pode ser armazenado e que pode ser gerado quando necessário. Esse é o sucesso dos projetos da Cocal e da Raízen, que é quando se usa a torta de filtro também. A torta de filtro pode ser estocada e a planta pode operar o ano inteiro. Isso muda completamente a condição de venda do gás, garantindo fornecimento todos os dias do ano. Não pode ser intermitente como a energia solar e a eólica, que você não tem certeza de quando vai gerar, precisa ter certeza. Por isso, é tão importante usar a palha e a torta de filtro como matéria-prima, só com a vinhaça é difícil conseguir isso. Ter opções é importante. Fazer biogás de vinhaça é superlegal, mas, na minha opinião, isso precisa ser integrado com outros resíduos para garantir o ano inteiro.