Hidrogênio verde a partir do biometano é uma descoberta brasileira que pode contribuir para a descarbonização
Legenda/Foto: Colheita de cana-de-açúcar em usina em Ribeirão Preto (SP) (Crédito/Foto: REUTERS/Nacho Doce)
por Mariana Grilli (publicado na revista Globo Rural)
A molécula mais simples da tabela periódica pode colocar o Brasil na vanguarda de uma nova geração de energia. É o hidrogênio, mas com a chancela verde, devido à matriz energética limpa. Isso porque, de forma inédita, a produção de hidrogênio verde resultado do processamento dos resíduos de cana-de-açúcar foi comprovada no País.
Das cerca de 70 toneladas de hidrogênio produzidas mundialmente, segundo o International Energy Association (IEA), 76% são produzidas a partir do gás natural, que é de origem fóssil e contribuinte às emissões de gases de efeito estufa. Com a tecnologia brasileira, a expectativa é substituir a forma de produção pelo aproveitamento da torta de filtro e vinhaça. Assim, ao trocar o gás natural pelo biometano, o hidrogênio cinza - de origem fóssil, sem captura de CO2 - se torna hidrogênio verde.
“É a possibilidade de explorarmos o grande potencial da agricultura brasileira para produzir o gás do futuro em escala”, diz Alessandro Gardemann, CEO da Geo Biogás & Tech, empresa que desenvolveu a fabricação do novo hidrogênio verde a partir da reforma do biometano. A descoberta foi feita em parceria com a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
De acordo com a Associação Brasileira do Biogás (ABiogás), do qual Gardemann também é o presidente, o Brasil tem potencial para produção de 20 mil toneladas por dia de hidrogênio verde a partir de biometano, ou sete milhões de toneladas por ano. No entanto, a própria Abiogás aponta que menos de 4% do potencial brasileiro é aproveitado, e o segmento sucroenergético tem papel relevante nesse potencial.
Com a comprovação do uso dos resíduos para cana para criação do biohidrogênio, o executivo considera que é questão de tempo para que a produção ganhe escala. O que falta, por enquanto, é a expansão das tecnologias e da própria infraestrutura para que a fabricação seja expandida e a comercialização aconteça.
Oportunidade de mercado
Além de ser uma oportunidade de mercado para o setor sucroalcooleiro, o hidrogênio verde tem a capacidade de dar origem aos biofertilizantes, alternativa ao insumo químico que apresenta alta nos preços desde o início da guerra da Rússia. A própria unidade de transformação do hidrogênio verde pode ser uma fábrica de fertilizante verde, conforme comenta Gardemann.
Prova disso é a planta a ser construída em Piracicaba (SP) pela Raízen Geo Biogás S.A., joint venture com a Geo Biogás & Tech. A unidade fornecerá 20 mil metros cúbicos diários de biometano para a Yara Fertilizantes produzir amônia verde a partir de 2023.
Gardemann esclarece que as negociações são feitas entre as empresas, mas que este é um movimento importante para que o hidrogênio verde ganha escala comercial e seja percebido como oportunidade por diversos atores do agronegócio. Mesmo porque, segundo ele, a aptidão brasileira pode transformar o biogás em mais um produto de exportação.
Na Europa, a produção de hidrogênio verde já é realidade, mas com base em fontes como a energia solar e eólica, e ainda em volumes baixos. “O Brasil tem potencial de atender tanto o mercado interno quanto externo, contribuindo para a descarbonização da nossa matriz energética e de outros países”, projeta.