Indústria global de SAF deve alcançar 449 bilhões de litros até 2050 para ajudar companhias aéreas na descarbonização
Nayara Machado (epbr)
Em expansão no Brasil, o biogás já é uma alternativa para substituir diesel e gás natural na geração de energia ou como combustível no transporte pesado, mas quer ir além e chegar até a aviação.
No final do ano passado, a empresa de biotecnologia Geo Biogás & Tech anunciou investimento de R$ 15 milhões em uma planta-piloto para produção de combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês) em unidades de geração de biogás no Paraná.
O projeto de demonstração terá capacidade de fabricação inicial de 660 litros por dia, a partir dos resíduos de cana-de-açúcar, como vinhaça e torta de filtro.
A rota de produção é a Fischer-Tropsch (FT), onde o vapor do gás renovável gera hidrogênio, eliminando a necessidade de investimentos em eletrólise — o que reduz o consumo energético.
A FT já é aprovada internacionalmente para uso em aeronaves, mas ainda não conseguiu ganhar mercado. Um dos motivos é a disponibilidade de biogás. É justamente essa lacuna que o Brasil pode preencher.
“Lá fora ninguém olha para ela porque não tem escala de biogás”, comenta Alessandro Gardemann, CEO da Geo. Na última quinta (30/3), a empresa reuniu especialistas em um painel sobre o potencial do SAF no Brasil.
O executivo afirma que a ideia é combinar a escala do biogás brasileiro, principalmente da cana de açúcar, com a tecnologia Fischer-Tropsch, para mostrar ao resto do mundo que há alternativas além dos óleos vegetais.
“Nossa tese, frente às outras rotas, é que se for para todo mundo custar o mesmo tanto [em comparação com o querosene fóssil], a gente parte de um combustível mais barato. O dólar por milhão de BTU do biometano é metade do de etanol, ou um terço do óleo de dendê”, conta Gardemann.
Por ser gerado a partir de resíduos, o biometano (o biogás purificado) é considerado um biocombustível avançado, e o SAF com esse insumo tem uma classificação ambiental alta na calculadora do Corsia (programa de descarbonização da aviação civil internacional).
Oferta versus demanda
Um estudo do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) aponta que a indústria de SAF deve alcançar 449 bilhões de litros até 2050.
Em 2022, a produção chegou a pouco mais de 300 milhões de litros.
“O desafio é enorme, pois o mundo levou 20 anos para desenvolver uma indústria de biocombustíveis de base terrestre (biodiesel e bioetanol) de 165 bilhões de litros e, em pouco menos de 30 anos, terá que construir uma indústria quase três vezes maior”, diz a organização.
Atualmente, a única rota fornecendo SAF em escala comercial é a de Ácidos Graxos e Ésteres Hidroprocessados (HEFA, em inglês), que utiliza óleos e gorduras.
E ela deve continuar predominante nos próximos dez a quinze anos, até que as de querosene parafínico sintético (FT-SPK) e de alcohol-to-jet (ATJ) ganhem mercado.
Tem biomassa, mas não tem infraestrutura
Diferente de países europeus — mais avançados na produção de SAF –, o Brasil tem matéria-prima de sobra, mas ainda não tem a infraestrutura. E o mercado pressiona por uma regulação que indique que será viável instalar biorrefinarias aqui.
De acordo com um mapeamento da RSB (Roundtable on Sustainable Biomaterials), o potencial para produção de SAF a partir de resíduos da cana chega a 9 bilhões de litros, na rota ATJ, e mais 3,2 bilhões de litros com outros insumos pela FT.
O suficiente para cobrir toda a demanda atual de querosene no país (7,2 bilhões de litros) e volume extra para exportar.
Amanda Gondim, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e coordenadora da Rede Brasileira de Bioquerosene (RBQAV), explica que o principal gargalo, hoje, é o Capex alto — instalar uma biorrefinaria custa, pelo menos, US$ 1 bilhão.
“Ninguém faz um investimento de US$ 1 bilhão se não se sentir seguro”.
Para Gondim, o projeto de lei construído pelo grupo de trabalho do Combustível do Futuro, ao trazer uma obrigação de reduzir emissões com uso de SAF, é um caminho para dar essa segurança ao investidor.
Por enquanto, há dois anúncios de investimentos em escala em território brasileiro. A Petrobras incluiu o biorrefino no seu planejamento, com meta de produção de 6 mil barris/dia de diesel renovável e outros 6 mil barris/dia de bioQAV. Prazos não foram detalhados.
Já a BBF anunciou em abril do ano passado uma biorrefinaria na Zona Franca de Manais (AM). A matéria-prima será o óleo de palma produzido pela BBF no interior de Roraima.
A expectativa é que sejam investidos cerca de R$ 2 bilhões na produção, inicial, de 500 milhões de litros de biocombustíveis por ano. A unidade está prevista para o primeiro trimestre de 2025 e será flexível — ou seja, poderá produzir entre diesel verde e SAF, na rota HEFA.
“Outro desafio é investir em desenvolvimento e tecnologia para baratear os custos”, observa a coordenadora da RBQAV.
“São diversos tipos de biomassa que podem ser utilizadas para obter também uma série de produtos. Cada região do país vai ter uma mais viável”.
Ela cita como exemplo o Nordeste, que não tem a tradição de produção de óleo de soja. Lá, as rotas que utilizam biogás ou álcool de cana poderiam ser mais interessantes.